A pedra de José
Àquela pedra não tarda o boléu, espatifada traria gosto às aflições e falta não faria à paisagem. Não se dirá o mesmo do José que a encima. Trama equilíbrios. O olhar passeia em eternidades, abusa a música mística, nua de sons. A boca seca de palavras. Cuidava de nada, via um mundo sem tempo, trombava vistas com épocas.
Um dia emudeceu o José, já vivia de olhares, sem que se saiba o que lhe chegava aos pensamentos. Subiu à pedra sofrida de instabilidades, como eram vacilantes todas as ruas, todas as casas e interiores, gente ordinária no embalo de ideias e despejos. No início esteve de pé, dias esquecidos de contar. Intrêmula, a pedra obedecia a calmaria do corpo a habitá-la, a indagar distâncias, remexer horizontes desocupados. A cidade sucumbiu em curiosidade, deitou-se atrás de fechaduras e acordou em aborrecimento. Seria o José o intruso pacato que se intrometeria em mentes caladas quando voltasse o poente?
Do receio nasceu a estátua, o resquício da carne, sonâmbula, a parecer mesmo um vestígio do cenário. O incomodo guardou-se em esperas cada vez mais distantes. O José inerte em observâncias obscenas, talvez. O José apático em resmungos ausentes, a paz tribulada, residência em incertezas. O José.
Na transparência de ser quase nada pode perceber pessoas se dividindo em igualdades. As emoções, sentiu-as todas, as dores viu em tudo. O que julgou injustiças, quando ainda trançava pernas com todos, feriu-lhe a alma tão fundo, tratou como medo da comunhão, o desconfio. Vagou prudência em busca leviana, não encontrou calmarias, a disputa cultivada em valores, nenhum. Uma rajada de penas machucou-lhe a face, leves gotas de sangue logo secaram, fechou-se e conversou com seus silêncios. Assim ilustrou os dias.
Aquela manhã surpreendeu o descurioso sentado, já incomodava suspeitos em cruzadas de olhos, conseguia fitar as descrenças. Explorou os medos alheios sem compartir o descuido. Preferiu o recato da noite. E a noite não vinha, continuavam as vozes correndo ouvidos, os reflexos em corpos a iludir retinas. A noite fugia. E o José a tapear insonhos. Indagou negligenciar futuros e virar, ele mesmo, a pedra. Desvendou as preguiças de um sono impossível, previu o desânimo a dar aos calcanhares.
Então fez menção de descer. Primeiro foi o joelho que cumprimentou a terra seca, esticou-se para o céu. A alma de sopros, a cabeça baixa, cansada de saber, folheou o chão até encontrar a pegada invertida, ilesa, esquecida pelos ventos e pisares alheios. Desdenhou o espetáculo e respirou a volta. Iluminou a casa, desatinou o desprezo acumulado em atenções solitárias no cômodo de conviver, de um dia viver. Foi à cama vazia, buscou as contas de preces e descobriu que não sabia rezar.